A partir deste mês, passa a ser obrigatória a adoção, nas obras e compras públicas, das regras estabelecidas pela nova Lei das Licitações, incluindo o que se refere ao seguro garantia. Especialistas aguardam, contudo, que a Susep regulamente a cláusula step in, considerando que a nova Lei de Licitações tratou do tema de forma pouco profunda e a Circular 662/22 daquela autarquia (que disciplina o seguro-garantia) silencia sobre o tema. “Parece-nos que a iniciativa regulatória é válida, uma vez que os principais atores envolvidos nas obras públicas ainda estão um pouco inseguros com o tema, especialmente em razão do desconhecimento das regras de funcionamento do seguro-garantia e da incompatibilidade entre os editais e contratos públicos e o clausulado das apólices”, afirma o advogado Rafael Leonardo Borg, coordenador do Núcleo de Seguros do escritório Poletto & Possamai, em artigo publicado no portal Conjur.
Segundo ele, dificilmente a cláusula de step in vingará se a missão de criar as regras do jogo recair unicamente sob os responsáveis pela redação dos editais das contratações públicas, ou sob os responsáveis pela redação do clausulado das apólices. “É recomendável a participação de ambos os lados — administração pública e mercado securitário — na estipulação de regras gerais que tragam mais conforto, alcançando-se alguns consensos”, aconselha o advogado.
Para o especialista, somente assim o produto encontrará compatibilidade com o contrato garantido e alcançará a eficácia — e, por consequência, a sua função social precípua, “que é mitigar o risco de paralização das obras públicas”.
Nesse contexto, Borg entende que um bom ponto de partida seria a norma regulatória esclarecer que o limite máximo de garantia da apólice com cláusula de step in (que pode alcançar até 30% do valor do contrato) deve ser respeitado, inclusive nos casos em que se optar pela retomada. “Vincular as seguradoras ao dever de retomar e concluir a obra sem qualquer limitação de valor é desnaturar a lógica econômica que ampara a operação de seguro, inviabilizando a precificação adequada pela assunção do risco”, pontua.
Para ele, nenhuma seguradora optará por exercer o step in se isso a sujeitar a um risco “que pode ir muito além daquele que foi assumido”, sem contar que a retomada das obras também se sujeita a uma série de fatores imprevisíveis que poderão afetar o valor inicialmente previsto para a sua conclusão, incluindo aumento do preço de insumos, atrasos causados por eventos climáticos, default de subcontratados e mudanças de projeto, entre outros.
Outra medida que, na opinião do especialista, pode ser adotada pela Susep é permitir que a seguradora atue conjuntamente com o segurado na fiscalização do contrato antes mesmo da ocorrência do sinistro.
Essa hipótese, explica Borg, pode ser extraída da interpretação do artigo 102 da Nova Lei de Licitações, a qual prevê a possibilidade de a seguradora realizar contratos e termos aditivos com a interveniente-anuente das obras. “Embora a iniciativa possa ser inicialmente recebida com desconfiança pelos agentes burocráticos da administração, a medida pode demonstrar-se benéfica ao segurado não só por mitigar a ocorrência de sinistro, mas também por tornar a retomada das obras opção mais confortável às seguradoras, na medida em que as aproxima da realidade da execução do contrato e diminui a assimetria informacional entre seguradora, tomador e segurado”, observa.
O advogado acrescenta ainda que a norma regulatória também poderá liberar os valores indenizatórios para a efetiva retomada. “Como se sabe, as apólices de seguro-garantia do ramo público sempre incluem cobertura de multas, inclusive por força de lei (artigo 97 da Nova Lei de Licitações). Se houver o default da construtora e a apólice for acionada, de pouco adiantará o seguro conter cláusula de step in se boa parte dos valores indenizatórios for consumido com a indenização de multas (moratórias e rescisória)”, argumenta.
Por fim, sugere que a norma infralegal poderia prever que a indenização de eventuais multas ocorra somente em um segundo momento, de forma subsidiária e na hipótese de não se ter atingido o limite máximo de garantia, permitindo que a seguradora antes disponha dos valores da garantia para investir na conclusão da obra.
Fonte: CQCS